"Nunca imaginei que esperar um ônibus se tornaria algo tão difícil", é o que penso todos os dias ao vê-la conversando com seus amigos no outro banco.
Não me lembro exatamente como estava o tempo aquela tarde, mas sei que não chovia, me interessava pouco esse fato. De qualquer forma, acontecendo o apocalipse ou não, eu estaria no mesmo lugar, sentado no chão, recostado à parede pensando na vida, nos dias que ainda viriam e, como todo estudante, nos trabalhos e provas que se aproximavam. Talvez, se não tivesse tão concentrado em meus pensamentos, tivesse notado que alguém se aproximava, mesmo assim, ainda acho que foi o cheiro daqueles cabelos que me tirou do transe. Em qualquer outro lugar aqueles olhos nunca se encontrariam, um sorriso não faria alguém tão feliz e aquela frase não seria tão estranha. "Um dia fizeram o mesmo por mim", foi com essas palavras que tudo começou. Não prestei muita atenção no que conversamos após esse primeiro encontro, pois além de curto, não conseguia concentrar-me, apenas ouvia-a como a uma melodia, contemplando o som de cada palavra sem me importar muito com seus significados. Em poucos minutos já a acompanhava com os olhos até sua classe, sentia sua falta por um momento, mas logo lembrava que estaria ao seu lado novamente em poucas horas.
Os dias passavam, as conversas se tornavam mais freqüentes, notei, com tempo, não se tratar apenas de beleza, talvez fosse apenas o jeito como falava, havia algo em seus pensamentos que me agradava. Quando a noite chegava, revia-a em meus sonhos, não apenas a via, conseguia sentir seu cheiro, tocar seus cabelos, acariciar sua pele e até beijar suas bochechas e, às vezes, sua boca.
A idéia de tê-la, sempre ao meu lado, junto a toda a alegria que trazia consigo, me fez pensar em assumir algo sério, não seria difícil amá-la por toda uma vida, afinal o que seria o amor se não o resultado de uma amizade apaixonante, e se ela sentia-se tão bem quanto eu, que mal haveria em dar o próximo passo. Esses pensamentos se tornavam ainda mais fortes quando estávamos juntos, resolvi que ao fim daquela semana ia revelar-lhe tudo o que sentia, a saudade quando não estávamos juntos, os sonhos e tudo mais que fosse relevante.
O encontro do dia seguinte me fez lembrar o primeiro, mas de forma negativa, dessa vez suas palavras arrancaram as minhas, me deixando em choque. "Eu pensei que gostasse de mim", após essas palavras meu paraíso tornou-se um abismo, e um erro estava prestes a me arremessar para dentro dele.
O passado nem sempre é esquecido quando seguimos em frente, seus fantasmas podem vir atormentar nossa felicidade futuramente, no meu caso o fantasma tinha olhos verdes e me rejeitara no mês passado. Não havia problema algum até então, além de tê-la conhecido bem antes daquela com a qual passei a sonhar todas às noites, foi apenas um conselho dado por um amigo à alguém solitário. Pode parecer impossível, mas quem sabe, enquanto dormia, as desilusões e os sonhos se misturaram, os olhos castanhos que me inspiravam a sonhar encontraram-se com os verdes dos quais não gostaria de lembrar, e, por mera coincidência, se tornaram grandes amigas. O fato é que estaria tudo acabado, não haveria mais conversas, e os dias passariam a ser tristes, não como antes, agora, depois de encontrar a felicidade e perdê-la, tudo a minha volta não teria sentido algum.
As semanas passavam devagar, as noites não eram nem um pouco tranquilas, e a esperança, que deveria ser algo bom, apenas me fazia pensar ainda mais em tudo o que eu havia perdido. Tinha consciência que minha tristeza poderia fazer mal aos que estavam por perto, logo, me afastei, não apenas dos amigos, de todos. Forcei-me a não falar mais com a garota que amava, a observava de longe, esperando que algum de seus amigos a fizesse sorrir, que trouxessem seu encanto de volta. Após alguns dias, os amigos já apreciavam seu sorriso novamente, e eu me sentia melhor por não tê-la coberto com o mesmo mar de tristeza, em que me afogava.
Com o tempo, tentei seguir em frente, apesar das esperanças que nunca desapareciam, prometi não me aproximar muito, de forma a retribuir toda a felicidade que pude viver ao lado dela, mesmo que por um breve período. Muitas vezes, tive medo que, me afastando, pensasse que não gosto dela, que não a quisesse feliz, mas foi, a meu ver, o melhor a fazer.
Embora não pudesse mudar o que fiz, não ter contestado sua última frase, "Você acha que todos gostam de você", me faz pensar, a todo momento, que deveria ter dito algo, para mostrar a ela, que era a única coisa que me importava, que desejava torná-la minha musa, trazendo sempre alegria para cultivar seu sorriso, abraços para aquecê-la nos dias frios e beijos para mostrar que nunca a abandonaria. Mesmo que não acreditasse, um dia veria, que fez o que o apocalipse não conseguiria.